ISKCON após Prabhupāda: Um Vaticano Hindu em formação?

 



Quando Śrīla Prabhupāda fundou a ISKCON em 1966, sua missão era clara: levar a consciência de Kṛṣṇa ao mundo de forma pura, direta e centrada na mensagem original de Caitanya Mahāprabhu e dos ācāryas da sucessão discipular. Mas, olhando para os rumos que a instituição tomou após seu desaparecimento físico em 1977, uma pergunta começa a incomodar alguns devotos mais atentos: estaria a ISKCON replicando, conscientemente ou não, a estrutura institucional do Vaticano?


A pergunta não é leviana — tampouco se trata de mera provocação. Trata-se de refletir com honestidade sobre como uma missão espiritual pode, com o tempo, se tornar uma máquina burocrática, centralizadora e hierárquica — muitas vezes se afastando dos princípios espontâneos e dinâmicos que a inspiraram originalmente.


Neste artigo, exploramos os paralelos, as diferenças e o que tudo isso pode significar para o futuro do movimento Hare Kṛṣṇa.


1. A transição após 1977: de mestre fundador a colegiado de poder


Após a partida de Śrīla Prabhupāda em 1977, a ISKCON se viu diante de um desafio monumental: como continuar uma missão tão dependente da presença viva de seu ācārya-fundador? A resposta institucional foi a criação do Governing Body Commission (GBC) como autoridade máxima na organização — uma decisão já prevista por Prabhupāda em termos administrativos, mas cuja aplicação prática tomou proporções inesperadas.

Com o tempo, o GBC passou a funcionar como um órgão colegiado com poder centralizado, regulando não apenas a administração dos templos, mas também validando (ou não) a atuação de novos gurus. Esse modelo, na prática, lembra o Colégio de Cardeais da Igreja Católica, onde um grupo seleto detém a autoridade suprema sobre a doutrina, a liturgia e os rumos institucionais.


2. A figura do guru institucional: um “papa regional”?


Em vez de uma sucessão espiritual orgânica, baseada na realização e reconhecimento espontâneo por parte da comunidade, a ISKCON passou a “autorizar” gurus por meio de resoluções administrativas. Assim, surgem figuras que, mesmo sem a estatura de Prabhupāda, ocupam posições quase episcopais, com discípulos, poder decisório e influência internacional.


É aqui que o paralelo com a estrutura católica se intensifica: gurus aprovados, linhas hierárquicas rígidas, títulos, cargos e uma liturgia padronizada. Em certos contextos, tem-se a impressão de que a espontaneidade e a inspiração deram lugar a um sistema de “ordenamentos espirituais” formais — como se a graça pudesse ser concedida por deliberação de comissões.


3. A doutrina como dogma? A perda da vivência e o risco da museificação


Assim como o Vaticano definiu doutrinas inquestionáveis ao longo dos séculos, a ISKCON passou a criar interpretações “oficiais” da filosofia, muitas vezes marginalizando devotos que oferecem visões baseadas nas próprias palavras de Prabhupāda, mas que destoam da narrativa institucional vigente.


Esse movimento leva ao que poderíamos chamar de museificação da mensagem: em vez de uma consciência viva e aplicada, temos uma ortodoxia rígida, controlada por um corpo deliberativo. O śāstra é citado, mas muitas vezes apenas para legitimar decisões já tomadas. A vivência mística é substituída por um protocolo administrativo.


4. Seria isso o que Prabhupāda queria?


Essa talvez seja a pergunta mais desconfortável — mas também a mais necessária. Prabhupāda falou claramente contra a centralização eclesiástica. Ele era contra a “igrejificação” da consciência de Kṛṣṇa. Em várias cartas e conversas, expressou desconfiança com relação a burocracias religiosas e alertou para os perigos do poder institucionalizado.


Se ele estivesse hoje entre nós, como veria o atual estado de sua missão? Sentiria que sua visão está sendo preservada ou que foi substituída por uma réplica institucional de algo que ele mesmo queria reformar?


Conclusão: Entre a instituição e a inspiração — qual caminho escolhemos seguir?


A comparação entre a ISKCON pós-Prabhupāda e a estrutura do Vaticano não deve ser entendida como uma crítica destrutiva, mas como um convite à reflexão profunda. Toda missão corre o risco de, ao crescer, perder o frescor original. Quando isso acontece, o que era movimento se torna monumento.


Śrīla Prabhupāda não fundou uma religião no sentido institucionalizado da palavra. Ele despertou um movimento espiritual, baseado na pureza da śāstra, na prática devocional sincera e na independência consciente de cada devoto. Ele falou em "revolução nas mentes condicionadas" — não em cargos, comissões e aprovações formais.


A pergunta que fica é: estamos servindo à missão ou à máquina?


Enquanto houver sinceridade, ainda há tempo de realinhar a bússola. Não se trata de destruir instituições, mas de lembrar por que elas existem. A estrutura deve servir à inspiração — não o contrário. E, como Prabhupāda tantas vezes enfatizou, o verdadeiro guru é aquele que repete a mensagem sem adulteração, e o verdadeiro discípulo é aquele que ouve com fé, aplica com coragem e compartilha com compaixão.

Se o espírito original de Prabhupāda ainda vive — e ele vive —, então talvez seja hora de resgatar não apenas suas instruções, mas também o espírito por trás delas.

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