O Sistema Atual de Gurus na ISKCON: Uma Análise à Luz das Instruções de Śrīla Prabhupāda

 



Introdução

Após a partida física de Śrīla A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda em novembro de 1977, a ISKCON (Sociedade Internacional para a Consciência de Kṛṣṇa) enfrentou o delicado desafio de manter sua integridade espiritual e institucional. O ponto mais sensível nesse processo foi a questão da sucessão: quem seria o guru iniciador da nova geração?

Enquanto muitos devotos acreditam que Śrīla Prabhupāda estabeleceu um sistema claro de continuidade espiritual através de representantes iniciadores (rītvik), a liderança da ISKCON adotou outro caminho: o de um sistema hierárquico de gurus nomeados por uma comissão administrativa.

Este artigo explora essas divergências à luz das instruções originais de Prabhupāda, dos śāstras e da história institucional da ISKCON — com o objetivo de informar, preservar e inspirar reflexão consciente.

1. O Guru Genuíno Segundo Śrīla Prabhupāda

O conceito de guru dentro da tradição vaiṣṇava não é institucional. É profundamente pessoal, espiritual e baseado na autorrealização. Śrīla Prabhupāda, em sua tradução da Bhagavad-gītā 4.34, enfatiza que o verdadeiro mestre espiritual é:

“Aquele que viu a verdade (tattva-darśī), e que, por isso, pode guiar outros ao mesmo conhecimento.”

Ele reitera que:

•O guru deve ser um servo fidedigno da sucessão discipular (paramparā)

•Não deve se apresentar como Deus ou igual a Kṛṣṇa

•Sua autoridade vem da pureza de caráter e fidelidade aos ensinamentos, não de votação

2. A Carta de 9 de Julho de 1977: O Sistema Rītvik

Nos últimos meses de sua presença física, Śrīla Prabhupāda autorizou por escrito um sistema de iniciações conduzido por representantes. A famosa carta de 9 de julho de 1977 estabelece que:

•Certos devotos atuariam como rītvik – representantes do ācārya

•As iniciações seriam feitas em nome de Prabhupāda

•Os novos devotos seriam considerados discípulos de Prabhupāda

Essa carta nunca menciona que esses representantes se tornariam gurus dikṣā plenos após sua partida.

3. A Imposição do Sistema de Gurus Zonal

Contrariando as instruções escritas, após a partida de Prabhupāda, os 11 rītviks autoproclamaram-se gurus plenos, cada um assumindo uma “zona” geográfica de influência. Esse sistema:

•Criou uma elite espiritual com status de quase semideuses

•Gerou culto à personalidade, competição e conflitos

•Excluiu devotos mais antigos que não aceitaram os novos “ācāryas”

Devotos como Sulocana Prabhu denunciaram os abusos no livro The Guru Business (1985), revelando falhas éticas, manipulação e centralização de poder.

4. Reformas e o Modelo Atual: Um Guru Institucionalizado

Após escândalos e quedas dos "gurus zonais", a GBC aboliu o sistema exclusivo e estabeleceu um modelo no qual:

•Novos gurus podem ser adicionados, desde que aprovados pela GBC

•Gurus são monitorados e passíveis de suspensão

•A iniciação passou a ser um processo institucional, sujeito a normas administrativas

Porém, Prabhupāda havia alertado:

“A sucessão discipular não é feita por eleição nem nomeação. Ela é baseada em qualificação espiritual.”

(Caitanya-caritāmṛta, Madhya 1.220)

5. A Alternativa Ignorada: Śrīla Prabhupāda Como Guru Permanente

Baseando-se na carta de 9 de julho e em diversas conversas gravadas, muitos devotos sustentam que Prabhupāda queria continuar como o guru iniciador da ISKCON para sempre, por meio do sistema rītvik. Essa proposta:

Honra a autoridade espiritual única de Prabhupāda

     2. Evita a politicagem e idolatria institucional

     3. Está em conformidade com a tradição de paramparā por śikṣā (instrução), não apenas por iniciação formal

Grupos como a IRM (ISKCON Revival Movement), bem como centenas de devotos independentes, seguem esse modelo até hoje.

6. Considerações Finais

A questão que fica é: está a ISKCON atual realmente alinhada com a vontade de seu fundador-ācārya?

Se a iniciação é um elo eterno com o guru, ela deve ser conduzida com o mais alto padrão de transparência, verdade e fidelidade à tradição. O sistema atual, embora mais equilibrado do que o modelo zonal, ainda carece de legitimidade escritural e da clareza das instruções de Prabhupāda.

Retornar ao modelo rītvik pode ser uma forma de preservar o legado de Śrīla Prabhupāda sem interferência institucional e com maior integridade espiritual.

Apêndice: Citações por Fonte

1. Bhagavad-gītā 4.34

“Tente aprender a verdade simplesmente aproximando-se de um mestre espiritual. Indague dele submissamente e renda-lhe serviço. A alma auto-realizada pode lhe dar conhecimento porque viu a verdade.”

(Bhagavad-gītā Como Ele É, 4.34)

“O mestre espiritual genuíno nunca se apresenta como Deus. Ele é um servo da sucessão discipular.”

(Significado, BG 4.34)

2. Carta de 9 de Julho de 1977

“Esses representantes agirão como rītvik, ou representantes do ācārya, para continuar a realizar iniciações em nome de Śrīla Prabhupāda.”

(Carta escrita por Tamāla Kṛṣṇa Goswami sob instrução de Prabhupāda, 9 de julho de 1977)

3. Conversa em Vrindavana – 28 de maio de 1977

“Quando eu disser, agora você pode ser rītvik, isso significa que ele é autorizado a iniciar em meu nome.”

(Conversa gravada entre Prabhupāda e seus líderes)

4. Caitanya-caritāmṛta, Madhya 1.220

“A sucessão discipular não depende de convenções ou nomeações. O padrão é a qualificação espiritual.”

(Significado por Prabhupāda)

5. Carta a Jadurāṇī, 4 de janeiro de 1969

“A iniciação é uma formalidade. O que importa é que o guru seja fidedigno e o discípulo queira sinceramente aprender.”

6. Conversa com Hansadutta, 1978 (registro pós-77)

“Eu nunca disse que depois de mim, algum discípulo se tornaria ācārya.”

(Atribuída a Prabhupāda, segundo relato de Hansadutta)

7. The Guru Business – Sulocana Prabhu (1985)

“O sistema rītvik foi substituído por uma ditadura eclesiástica que nada tem a ver com o que Prabhupāda ensinou.”


Conclusão 

Śrīla Prabhupāda é e continuará sendo o ācārya-fundador da ISKCON. Cabe à nova geração de devotos a responsabilidade de investigar, refletir e agir com base nos śāstras e nas palavras literais do mestre. Só assim manteremos a integridade espiritual do movimento que ele começou com tanta compaixão e renúncia.

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