O Desvio Silencioso — A Estrutura de Poder na ISKCON e o Legado de Śrīla Prabhupāda
Introdução
Desde sua fundação na década de 1960 por A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda, a ISKCON (Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna) se apresentou como um movimento espiritual revolucionário, baseado em princípios de pureza, desapego e rendição a Deus. No entanto, ao longo das décadas, muitos devotos, estudiosos e simpatizantes passaram a questionar a direção institucional que o movimento tomou após o desaparecimento físico de seu Fundador-Acharya.
A estrutura política estabelecida após 1977 — marcada por aclamados "gurus" institucionais, conselhos administrativos (GBC) e uma crescente burocracia — tem sido alvo de críticas crescentes por parte daqueles que observam um afastamento dos ensinamentos originais de Prabhupāda. Para muitos, o que começou como um movimento espiritual baseado na simplicidade e na submissão voluntária a Krishna, tornou-se, em certas instâncias, uma estrutura de poder que busca se preservar acima de tudo — mesmo que à custa da verdade e da autenticidade filosófica.
Neste artigo, exploramos com espírito investigativo e reverência os principais pontos de tensão entre a estrutura atual da ISKCON e os princípios que Śrīla Prabhupāda ensinou. A pergunta que nos guia é simples, mas profunda: a ISKCON de hoje ainda representa fielmente a vontade de seu fundador?
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1. A Transição Pós-1977 e o Surgimento dos "Zonal Acaryas"
Quando Śrīla Prabhupāda deixou o corpo em 1977, ele havia estruturado a liderança da ISKCON em torno do GBC (Governing Body Commission), um corpo coletivo com responsabilidade administrativa e espiritual. Contudo, após sua partida, surgiu um novo arranjo não previsto em suas instruções: a formação dos chamados "Zonal Acaryas".
Esses líderes foram posicionados como sucessores espirituais exclusivos de Prabhupāda em regiões específicas, recebendo adoração e honra equivalentes às dadas ao próprio Fundador-Acharya. Essa estrutura, além de elitista, contradizia a orientação clara de que ninguém deveria se posicionar como sucessor absoluto sem ser especificamente autorizado.
A centralização de autoridade nessas figuras acabou gerando um culto de personalidade, além de provocar divisões internas e crises espirituais entre os devotos que não viam nessas nomeações uma continuidade legítima das instruções de Prabhupāda.
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2. O Papel do GBC: Governo Espiritual ou Administração Política?
O GBC foi idealizado por Prabhupāda como uma forma de gestão colegiada, com o propósito de evitar a concentração de poder e manter a integridade da missão. Porém, ao longo do tempo, esse corpo passou a exercer controle sobre nomeações de gurus, gerência de templos e até mesmo julgamentos doutrinários.
Isso resultou em decisões mais políticas do que espirituais, em que o alinhamento institucional passou a ser mais valorizado do que a lealdade direta às instruções de Prabhupāda. Devotos críticos foram frequentemente silenciados ou expulsos, sob acusações de ofensas ou desvio, criando uma cultura de medo que bloqueia o debate filosófico e o exame honesto dos problemas.
A atuação do GBC, assim, muitas vezes se aproxima mais de um órgão de controle eclesiástico do que da proposta de um conselho humilde e cooperativo, como originalmente desejado.
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3. As Instruções de Prabhupāda Sobre Sucessão Espiritual
Um dos pontos mais debatidos é: Prabhupāda realmente nomeou gurus sucessores? A evidência direta nos leva a outra conclusão. Em sua carta de 9 de julho de 1977, ele estabelece um sistema de iniciações por meio de representantes, chamados ṛtviks, que atuariam em seu nome. A palavra usada é clara: “henceforward” — ou seja, a partir dali em diante, mesmo após sua partida.
Essa carta, somada a várias conversas e instruções, indica que Prabhupāda via o papel de guru não como um cargo institucional, mas como algo natural, espontâneo e baseado na pureza e qualificação do indivíduo — não por aprovação de um comitê.
A transformação desse modelo ṛtvik em um sistema clerical de gurus “autorizados” pelo GBC não apenas não tem base nas instruções originais, como também gerou conflitos doutrinários e problemas graves de integridade ao longo dos anos.
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4. Casos de Abuso, Silenciamento e a Cultura do Medo
A centralização de poder e a sacralização de certos líderes criaram um ambiente propício para abusos de autoridade. Diversos casos, desde escândalos financeiros até abusos em gurukulas, foram ignorados, minimizados ou deliberadamente encobertos para preservar a imagem institucional.
Devotos que ousaram denunciar injustiças foram tachados de “ofensores”, acusados de má fé e, em alguns casos, banidos das comunidades. Isso criou uma cultura de medo, em que o questionamento legítimo é confundido com rebeldia espiritual.
Prabhupāda sempre defendeu a verdade e a justiça, mesmo quando isso significava confrontar os próprios líderes do movimento. O silêncio diante de erros institucionais, portanto, não é sinal de lealdade, mas de omissão.
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5. O Que Devotos Podem Fazer: Retorno às Raízes
Diante desse cenário, cresce o número de devotos que buscam voltar às raízes do movimento: estudar pessoalmente os livros de Prabhupāda, ouvir suas aulas originais e viver a consciência de Krishna de forma simples e sincera, fora dos círculos institucionais controladores.
Esse retorno à essência não é um rompimento com a ISKCON, mas um chamado à sua renovação. A missão de Prabhupāda é eterna, e sua presença ainda pode ser vivida plenamente por aqueles que se conectam diretamente com suas palavras e sua missão, sem depender de estruturas políticas intermediárias.
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Conclusão
A ISKCON é, sem dúvida, um legado extraordinário, mas não está imune aos desvios humanos. Reconhecer erros e confrontar desvios não é uma traição — é um serviço sincero ao mestre espiritual.
A verdadeira lealdade a Prabhupāda não está em seguir cegamente uma instituição, mas em seguir com lucidez, fé e coragem seus ensinamentos eternos. Como ele mesmo disse: “Não mudem nada, e tudo será bem-sucedido.”
Apêndice 1: Citações Diretas de Śrīla Prabhupāda
1. Sobre a sucessão espiritual:
> "When I order, 'You become guru,' he becomes regular guru. That's all. He becomes disciple of my disciple. That's it."
(Conversa em Vrindavana, 28 de maio de 1977)
2. Sobre agir de forma independente:
> "If every individual is allowed to act whimsically, that will be the cause of disruption."
(Carta de 19 de julho de 1970)
3. Sobre gurus autoefulgentes e não votados:
> "The GBC does not vote for guru. That is not the system. [...] The system is, guru is self-effulgent. No need for authorization."
(Conversa em Vrindavana, 28 de maio de 1977)
4. Sobre o papel administrativo do GBC:
> "The GBC should always act as the ultimate managing authority of the entire International Society for Krishna Consciousness."
(Carta a todos os templos, 28 de julho de 1970)
5. Carta de 9 de julho de 1977 sobre o sistema ṛtvik:
> "Now that Srila Prabhupāda has named these representatives [...] these representatives may accept the devotee as an initiated disciple of Srila Prabhupāda..."
6. Sobre institucionalismo e política:
> "Institutionalism means politics. And politics means Maya."
(Conversa de quarto, 1977)
7. Sobre os livros como guia completo:
> "Everything is there in my books. You simply have to read it carefully and implement it."
(Conversa em Vrindavana, 1977)
8. Advertência contra mudanças:
> "My only request is that you do not change anything, and everything will be successful."
(Carta, 22 de dezembro de 1972)
Apêndice 2: Citações Diretas de Śrīla Prabhupāda com Contextualização
1. Sobre a sucessão espiritual
> "When I order, 'You become guru,' he becomes regular guru. That's all. He becomes disciple of my disciple. That's it."
(Conversa em Vrindavana, 28 de maio de 1977)
Comentário: Essa citação foi referida na Seção 3 do texto, e deixa claro que a sucessão só ocorre mediante ordem direta do mestre espiritual. Prabhupāda não deu tal ordem a ninguém antes de sua partida, indicando que a criação de gurus "sucessores" institucionalmente aprovados não tem base legítima em suas instruções.
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2. Sobre agir de forma independente
> "If every individual is allowed to act whimsically, that will be the cause of disruption."
(Carta de 19 de julho de 1970)
Comentário: Relacionada à Seção 2, essa citação destaca a importância de seguir as instruções dadas, sem interpretações pessoais ou decisões políticas arbitrárias — como as feitas por lideranças que assumem papéis para os quais não foram autorizadas diretamente.
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3. Sobre gurus autoefulgentes e não votados
> "The GBC does not vote for guru. That is not the system. [...] The system is, guru is self-effulgent. No need for authorization."
(Conversa em Vrindavana, 28 de maio de 1977)
Comentário: Fundamenta a crítica apresentada na Seção 2 e 3 do texto. Mostra que a prática atual da ISKCON de "votar" novos gurus vai contra o sistema que Prabhupāda explicou: um verdadeiro guru manifesta sua qualificação de forma natural, e não por aprovação institucional.
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4. Sobre o papel administrativo do GBC
> "The GBC should always act as the ultimate managing authority of the entire International Society for Krishna Consciousness."
(Carta a todos os templos, 28 de julho de 1970)
Comentário: Mencionada na Seção 2, esta afirmação define claramente que o GBC é um órgão administrativo, e não espiritual. Sua função era manter a organização funcionando com integridade, não controlar iniciações ou aprovar gurus.
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5. Sobre a carta de 9 de julho de 1977 (sistema ṛtvik)
> "Now that Srila Prabhupāda has named these representatives [...] these representatives may accept the devotee as an initiated disciple of Srila Prabhupāda..."
Comentário: Essa carta é central na Seção 3. Mostra que o sistema ṛtvik foi instruído por Prabhupāda para funcionar "daqui em diante". Os iniciados seriam discípulos dele, mesmo após sua partida física — um ponto ignorado pela liderança institucional posteriormente.
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6. Sobre institucionalismo e política
> "Institutionalism means politics. And politics means Maya."
(Conversa de quarto, 1977)
Comentário: Referida na Seção 4, essa afirmação mostra a preocupação de Prabhupāda com a tendência de qualquer instituição espiritual se desviar por influência da política material. Ele alertava contra transformar a ISKCON em um sistema de poder mundano.
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7. Sobre os livros como guia completo
> "Everything is there in my books. You simply have to read it carefully and implement it."
(Conversa em Vrindavana, 1977)
Comentário: Essa citação é retomada na Seção 5, como motivação para que os devotos estudem diretamente os livros de Prabhupāda, sem intermediários desnecessários. Sua obra é um guia completo e eterno.
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8. Advertência contra mudanças
> "My only request is that you do not change anything, and everything will be successful."
(Carta,
22 de dezembro de 1972)
Comentário: Encerra a Conclusão do texto, ressaltando que a fidelidade às instruções originais — sem adaptações políticas ou doutrinárias — é a chave para o sucesso da missão.
Om Tat Sat
Cante Hare Krishna e seja sempre feliz 🙏
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"To do things hastily and incorrectly is not good. Anything valuable takes a little time to come into existence. Therefore there is no harm in waiting for the best thing. But everything is well that ends well: That should be the principle."
Prabhupada Letters :: 1969.
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"Hacer las cosas de afán y mal no es bueno. Algo valioso toma un poco de tiempo para llegar a existir. Por lo tanto no hay daño en esperar lo mejor. Pero si algo va bien termina bien. Ese debe ser el principio".
Cartas de Prabhupada :: 1969.