Oração de um distribuidor de livros que anseia por Vraja-bhakti

 


Quem foi Aindra Prabhu?


Antes de entrar no corpo do texto que se segue — uma oração crítica e ao mesmo tempo devocional, inspirada no espírito mais íntimo da distribuição de livros — é justo apresentar algumas palavras sobre o autor original da inspiração, Śrīla Aindra Dāsa Prabhu, discípulo direto de Śrīla A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupāda.


Aindra Prabhu (1953–2010) foi um vaiṣṇava extraordinário, conhecido mundialmente por sua liderança no kīrtana de 24 horas no templo de Kṛṇāa-Balarāma em Vṛndāvana, Índia. Renunciando à vida convencional e ao conforto do Ocidente, ele se dedicou integralmente ao serviço devocional, centrado no canto dos santos nomes do Senhor e na aspiração ardente por prema-bhakti, o amor puro por Rādhā e Kṛsṇā.


Mas Aindra não foi apenas um grande kīrtanīyā. Foi também um pensador lúcido e crítico espiritual, que ousou apontar desvios institucionais dentro da própria ISKCON, sempre com base nas instruções originais de seu mestre espiritual, Śrīla Prabhupāda. Seu livro “O Néctar da Distribuição de Livros” (The Nectar of Book Distribution) é mais do que um manual de técnicas para distribuir literatura transcendental: é um manifesto devocional, um chamado sincero ao retorno à motivação pura — livre de política, ego e manipulação.


A oração a seguir, escrita em espírito semelhante, busca ecoar essa voz que clama por autenticidade, por integridade espiritual e pelo verdadeiro propósito da pregação: despertar a consciência de Kṛsṇā nos corações com compaixão e verdade.



I. Oração


Ó Śrīla Prabhupāda, alma eternamente liberada e mensageiro confidencial do Senhor Caitanya Mahāprabhu, por favor aceita esta humilde súplica de uma alma caída que, embora longe da pureza, anseia servir sinceramente em tua missão.


Hoje saio a distribuir teus livros não para agradar um sistema corrupto, nem para inflar as estatísticas de uma instituição que perdeu o rumo, nem para receber elogios ou posições. Saio porque em teus livros vive o prema-nāma, o Santo Nome puro que resplandece no coração dos vrajavāsīs. Saio porque sei que cada palavra tua é uma ponte para o vraja-bhakti, a devoção mais íntima e sublime.


Rejeito em meu coração o conceito institucionalista de “sucesso”, essa competição artificial entre devotos, esse orgulho de acumular “pontos” em nome de uma pregação vazia de essência. Rejeito o negócio de gurus impostos, de votos interessados, de reconhecimentos ocos. Não desejo ser parte de um sistema que substituiu tua instrução direta por burocracia, manipulação emocional e ambição pessoal disfarçada de serviço.


Ó Śrīla Prabhupāda, protege minha intenção. Que minha distribuição seja um ato de compaixão verdadeira, não um meio para pertencer a um clube ou conquistar uma posição. Permite-me levar teus livros como oferendas vivas de misericórdia, com a esperança de despertar em outros a mesma inquietação que Tu semeaste em mim: Onde está Krishna? Onde está Rādhā? Como posso servi-los eternamente?


Rogo que afastes de mim toda motivação secundária, todo desejo de fama, controle ou reconhecimento. Dai-me visão clara para enxergar através do espetáculo institucional, e força para manter-me fiel à tua missão original. Permite-me cantar o Santo Nome com lágrimas de amor e não com a boca seca da repetição mecânica. Que meu coração estremeça ao pensar em teu sacrifício, e que minha vida seja uma pequena centelha de teu fogo transcendental.


E se algum dia eu me perder, se a pressão do meio me arrastar, por favor, levanta-me novamente. Lembra-te desta oração, que hoje nasce do mais profundo da minha alma, e não permitas que eu esqueça quem sou, nem por que vim.


Teu servo eterno,


Kalki Dasa



II. Reflexão: Voltar ao centro da missão


Quem, em sã consciência, se preocuparia com o desenho dos azulejos do banheiro do nosso elegante bhajan-kutir, quando todos nós estamos à beira da morte? Não seria mais sensato vender o mármore e os azulejos e usar esse dinheiro para imprimir livros transcendentes?


Estamos aqui para servir a Krishna, não para nos acomodar em luxos desnecessários sob uma roupagem devocional, enquanto a humanidade inteira arde na escuridão da ignorância. O mundo está em chamas, e nós — que afirmamos seguir um ācārya fidedigno — deveríamos ter nossas prioridades em ordem: śravaṇa, kīrtana, distribuição de livros e prática genuína do bhakti.


Ó Rādhe-Śyāma, o que nos importa se alguns, infantil e autoritariamente, se autoproclamam líderes teocráticos por apego ao poder? Que exijam genuflexão institucional através do medo. Que imponham uma atmosfera opressiva em nome da “devoção”. Nós sabemos que isso não é bhakti.


Eles preferem impor autoridade do que inspirar confiança. Preferem a administração superficial à iluminação espiritual profunda. Mas a verdadeira autoridade espiritual não se impõe: ela é naturalmente reconhecida, pois irradia de uma alma purificada e da coerência entre palavras, pensamentos e ações.


Glórias a todos os aprisionados na política interna, aos ególatras devocionais, aos que acreditam que o poder institucional confere iluminação! Mesmo que sua “seriedade” os torne austeramente autoritários, e sua “sinceridade” esteja a serviço de uma lógica cruel, o inferno — como bem sabemos — está cheio de boas intenções.


Onde a sofística substitui a clareza filosófica, e o despotismo se disfarça de sadhu, não pode haver avanço espiritual genuíno. As almas sinceras acabam desanimadas, expulsas ou deformadas. O que fazer? Só nos resta abrir nosso guarda-chuva da fé, depender de Krishna e seguir o caminho do bhajana pessoal com humildade e coragem.


Estamos em Kali-yuga: um oceano de defeitos. Não podemos reformar todos, nem salvar quem não quer ser salvo. Mas podemos ser honestos, manter acesa a chama do discernimento e viver pelo ideal de uma consciência de Krishna pura, livre de interesses mundanos.


Cada alma está nas mãos da Providência. O avanço espiritual não depende de cargos, mas de śraddhā sincera e serviço desinteressado. Aqueles que lutam pela missão do ācārya, mesmo que caiam, são gloriosos. Mas se realmente queremos voltar ao Supremo, precisamos nos concentrar. Ninguém fará isso por nós.


E se não somos parte da solução, inevitavelmente somos parte do problema.


Não podemos fechar os olhos às concepções falsas, nem silenciar diante de estruturas corrompidas por medo de “ofender”. Silenciar diante do erro não é humildade: é cumplicidade. Reconhecer o problema não é negatividade: é o primeiro passo para a cura.


O médico não odeia o paciente — mas odeia a doença. E é nesse repúdio que se reconhece que existe um estado mais elevado: a saúde. Nossa crítica também contém compaixão. Porque, por trás do descontentamento, há amor: amor pela missão, pela verdade, pela pureza, pelo potencial adormecido em cada alma.


Não se trata de destruir. Trata-se de purificar. Trata-se de lembrar por que estamos aqui. Trata-se de voltar a Śrīla Prabhupāda e ao seu chamado urgente:


“Imprimam livros! Distribuam livros! Espalhem o Santo Nome!”


Todo o resto... é acessório.


*Baseado em extratos do livro de Aindra Prabhu, "O néctar da distribuição de livros"


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